Falar um pouco de Stuart Carvalhais é falar de um grande artista português, multifacetado e fora do seu tempo. Nasceu em Vila Real a 7 de Março de 1887 e faleceu em Lisboa a 2 de Março de 1961. Frequentou entre 1901 e 1903 o Real Instituto de Lisboa, sem nunca ter concluído os estudos, mas isso não bastou para que se impusesse como um dos maiores ilustradores de sempre e com uma imensa obra artística ainda por contabilizar.
Os primeiros desenhos surgiram na imprensa portuguesa em 1906, concretamente no jornal “O Século”. Muitos outros jornais, gazetas e outras publicações se seguiram, como foram o “Diário de Noticias”, “O Sempre Fixe”, “Cara Alegre”, “República” “Diário de Lisboa”, “A Corja”, “Os Ridículos”, “Ilustração Portuguesa”, “ABC a Rir”, “Repórter X”, “Cavaleiro Andante” e a “Gazeta dos Caminhos de Ferro”. Durante esses anos também se dedicou ao universo dos desenhos aos quadradinhos. De facto, Stuart Carvalhais foi o criador em 1915 da primeira banda-desenhada portuguesa, “Quim e Manecas”. Outra criação bastante popular foi a “Cócó, Ranheta e Facada”.
Seria redundante afirmar que Stuart Carvalhais foi em vida apenas um ilustrador de imenso talento. Foi igualmente um belíssimo caricaturista do seu tempo e também pintor, decorador, cenografista e figurinista, trabalhando durante muitos anos para o Teatro de Revista. Como artista gráfico, foi durante vários anos colaborador da editora musical Sasseti. Foi mesmo na editora Sasseti que Stuart nos deixou alguns dos mais belos exemplares de partituras e cartazes de que temos conhecimento. Uma ínfima parte desse legado apresentamos aqui, assim como os três registos discográficos da editora Columbia, da qual temos conhecimento. Poderá existir mais um ou outro disco, (sabemos da existência de uma colectânea da fadista Maria Alice editada em 1977 pela Valentim de Carvalho, com uma sua caricatura), mas até à data são estes os 3 exemplares de 45 rpm: da actriz/cantora Beatriz Costa, um disco de Marchas datado de 1957; um segundo EP, “Melodias de Sempre nº1”, com temas ligeiros de Maria Fernanda Soares, Maria de Lourdes Resende e Carlos Ramos com edição de 1961 (data de falecimento do artista); e, um terceiro e o mais conhecido de todos, da fadista Amália Rodrigues. “Oiça Lá ò Senhor Vinho”, um grande sucesso de Amália em 1971, que por destino foi o último êxito em vida do seu autor, Alberto Janes, (apresentamos também um esboço preliminar a grafite da deliciosa aguarela final de Stuart Carvalhais).
De facto, foi no Fado e em toda a sua involvência social e passional que o artista mais se notabilizou e se destacou dos demais artistas gráficos do seu tempo.
Convém também referir que só a partir do final da década de 50 se deu o devido valor à ilustração nas capas dos discos de vinil. Antes, durante as décadas de 20, 30, 40 e primeira metade da década de 50, as capas eram simplemente genéricas ou meramente informativas com alusão às casas vendedoras, aos seus produtos e aos números de catálogo dos discos editados.
Embora não tenhamos muitas informações sobre o assunto, sabemos no entanto que Stuart Carvalhais colaborou durante muitos anos com o Teatro de Revista e foi mesmo decorador do Parque Mayer em obras de melhoramentos durante o ano de 1943. Foi também cenografista do Teatro Maria Vitória e do Teatro Capitólio. Foi mesmo neste espaço teatral do Parque Mayer que Stuart executou um dos últimos trabalhos em vida, na revista “A Vida é Bela”. Estreada em Setembro de 1960, “A Vida é Bela” tinha com cabeças de cartaz os conhecidos artistas Raul Solnado, Milú e Humberto Madeira.
É pois com todo o sentido e respeito que dedicamos esta pequena homenagem a um dos artistas portugueses que melhor soube retratar (por vezes com parcos meios técnicos) a nossa sociedade de então, e, sobretudo, a vida boémia, teatral e musical de Portugal do século XX.
Deixamos para o fim a última estampa de Stuart Carvalhais intitulada “A Flausina”, em que na verdade já se nota a transformação da mulher na sociedade portuguesa; da mulher fatalista, invariavelmente condenada à nascença em ser mãe e esposa fiel, para a mulher moderna que toma notas na sua agenda e que ganha um ordenado sem precisar de cantar o Fado…
Texto: Francisco J. Fonseca