Já lá vão 60 anos e para muitos, os mais entas destas histórias, a coisa remonta para os 7 anos e pico, 8 e coisa 9 e tal !... Sim para muitos, os anos passaram tão depressa que a memória ainda se lembra bem (como se fosse há poucos anos) dos títulos e refrãos dos muitos êxitos do Conjunto António Mafra, como foram “O Carrapito da D. Aurora”, “O Carteiro”, “Arrebita, Arrebita, Arrebita”, “Ora Vejam Lá”, “O Vinho da Clarinha”, “Coração com Coração” e claro, “Sete e Pico”. São eles, juntamente com os Trio Odemira, um dos conjuntos mais antigos de Portugal, formados em 1955 e com um imenso legado musical ainda por contabilizar. Sim, eles foram também campeões de vendas em discos e cassetes mas nunca souberam ao certo o número aproximado dessas vendas. Por estimativas das dezenas de discos publicados (LP's, EP's, singles e cassetes), todos eles ultrapassaram as dezenas de milhares de unidades vendidos, totalizando ao longo dos anos um número superior a 1 milhão e meio de exemplares, mais coisa, menos coisa e tal...
O que sabemos ao certo é que em 1955, o jovem António Mafra (então com 23 anos) decidiu concorrer ao I Concurso de Cantadores das Freguesias do Porto realizado pela colectividade “Mocidade da Arrábida”, juntamente com mais três acompanhantes (o irmão José Mafra, mais os amigos Jorge Fontes e Liberto Marques). Foram os vencedores desse certame e o entusiamo foi tal que decidiram formar um conjunto baptizado na altura como “Caixinha das Surpresas”. Depressa se percebeu que António Mafra era um genial compositor de canções populares e foi mesmo sem surpresa que num curto espaço de tempo todos o conheciam na cidade. Foi por esta época, isto em 1958, que António Pedro, conhecido encenador do TEP (Teatro Experimental do Porto), decidiu levar à cena uma das peças mais populares de Camilo Castelo Branco, “O Morgado de Fafe Amoroso” e pediu a António Mafra a realização duma partitura musical.
Nada mais gratificante podia ter acontecido nesse ano. Na realidade, e, por sugestão do encenador, o Conjunto “Caixinha das Surpresas” deixou de o ser e passou definitivamente a Conjunto António Mafra. Conheceram também o fotógrafo ao serviço do TEP, Fernando Aroso, criando desde esse dia uma empatia comum bem evidente, (dizemos hoje), em muitas capas de vinil de 45rpm. Com a experiência vivida com o TEP, os músicos do Conjunto António Mafra apreenderam também como encenar uma fotografia. De facto ao longo da década de 60 ambos os artistas recriaram algumas das melhores capas de discos portuguesas, como são exemplos “O Carrapito da D. Aurora”, “A Ópera do Sacramento”, “Abre a Pipa Beatriz”, “7 e Pico, 8 e coisa 9 e tal” e “Limpa o Pó”. Como informação prestada pelo mestre Fernando Aroso, a criação das capas não era só da sua autoria, mas também do próprio grupo, que se prestava a construir os cenários e até arranjar os melhores locais para a execução dos mesmos. Para a elaboração gráfica do último EP referido, o grupo conseguiu permissão para fotografar-se no gabinete de Engenharia de apoio à Ponte da Arrábida, depois da obra concluída em meados de 1963. A maquete da ponte, que surge em fundo com o Conjunto, era mesmo a maquete original do engenheiro Edgar Cardoso, (ver imagem reproduzida).
É neste ano de graças de 1963 que o Conjunto de António Mafra, aproveitando uma longa digressão pela Europa e Estados Unidos, grava neste último país o primeiro álbum estéreo dum grupo de Música Portuguesa de que há memória. Dessa estadia, e, desse feito pioneiro, existe a edição de um LP com o Conjunto António Mafra a deixar-se fotografar no topo do Empire State Bulding. Dessa sessão foi também aproveitada para a edição de um EP, (ver imagem reproduzida).
Pelo que sabemos esta década foi a mais proveitosa com muitos espectáculos, não só por todo o país, mas também um pouco por todo o mundo português.
A década de 70, marcada pelo 25 de Abril de 1974, teve na altura uma grande repercussão quanto ao futuro do Conjunto. De facto António Mafra não só era um compositor nato para as coisas simples de que o povo tanto gosta, mas também um bom empreendedor. Germinava na sua cabeça que o grupo também devia ser dono do seu destino e como tal nasceram os Mafras, (entre 1967/1968), e que não seria apenas mais uma etiqueta mas também uma editora dedicada à Música Portuguesa. Infelizmente o sonho de António Mafra durou poucos anos, pois desapareceu do mundo dos vivos em 1976 com apenas 43 anos. Um desaparecimento que pesou muito na altura, com um hiato musical de vários anos, até que um dia o seu irmão José mais o grupo decidiram continuar, perpetuando assim a sua memória. Felizmente ao longo dos anos vários são os artistas que descobrem a importância do legado musical de António Mafra na Música Popular Portuguesa, e, entre eles está Sérgio Godinho (também ele nascido no Porto), que ao longo dos anos tem mostrado o seu carinho e apreço. As suas versões, ao vivo e em disco (“O Carteiro” é um bom exemplo), já deveriam ter dado azo a um álbum de tributo, tal como o colectivo “Os Humanos” mostraram o caminho com a obra de António Variações. Quem também se dedicou também a divulgar (e bem) ao longo da década de 90 foram os Sitiados do saudoso João Aguardela (“Menina Yé Yé” de António Mafra aparece no álbum “Sitiados II”).
Neste novo milénio temos que falar obviamente no colectivo Vozes da Rádio. Em 2007 editaram o surpreendente “Sete e Pico, Oito e Coisa, Nove e Tal”, um disco de tributo ao Conjunto António Mafra com as participações, entre outras, de Rui Veloso, Sérgio Godinho, Manuela Azevedo, Sérgio Castro, Miguel Guedes e Rui Reininho. Um álbum com 13 temas que também contou a presença dos Mafras, uma aposta ganha comercialmente e que se mostrou mais gratificante em 2009 com a edição especial ao vivo, em CD / DVD. “Ora Vejam Lá” gravado ao vivo no Fórum da Maia, foi até hoje a homenagem mais sentida e a de maior gratidão a tão preciosa “instituição” musical e cultural que ao longo de muitos anos fez chegar o nome do Porto e de Portugal aos quatro cantos do mundo. Mas, como sempre acontece aos que estão vivos, nem sempre a comunicação social e as entidades oficiais são tão generosas como as gentes do povo. E, se mais nada houver, pelo menos fica este pequeno testemunho escrito para memória futura, que, como diriam os Mafras, “Ora Leiam Lá”!
Texto: Francisco J. Fonseca