Há quem diga que o Duo Ouro Negro formou-se em 1956, na cidade angolana de Benguela, pelos músicos Raul Indipwo (1933-2006) e Milo Mac Mahon (1941-1985). Mas o mais certo, por factos já comprovados, foi o Duo ter surgido em 1958 por iniciativa da radialista Maria Lucilia Pita Gros Dias, da Rádio Clube do Congo Português de Carmona. Ela própria baptizou o grupo de Ouro Negro, pois Carmona (actual Uige), era efectivamente uma zona rica de cafezais e o café era pois considerado como o ouro negro dessa região norte de Angola. Mas outras histórias há sobre o Duo Ouro Negro e muito se tem falado da sua contribuição para a história da Música Popular Portuguesa, por isso nunca será demais lembrar alguns dos episódios mais relevantes da sua existência, numa data em que passam 30 anos sobre o seu epílogo.

O início dos Duo Ouro Negro em Angola foi marcante e o sucesso extensivo a todo o território. Mas ter êxito em Portugal foi uma etapa que a própria editora estudou mais ao pormenor após os primeiros lançamentos no formato EP. Numa altura em que as formações em trio tinham bastante impacto comercial, (havia os bons exemplos do Trio Odemira, do Trio Boreal e dos Três de Portugal) assim, e muito naturalmente, surgiram os Ouro Negro trio. Mas esta experiência com o novo elemento, José Alves Monteiro, foi sol de pouca dura, e, em 1963 tudo voltou ao início, numa frutuosa parceria que iria durar até 1985. Durante essa existência o Duo assinou primeiramente contrato com a Valentim de Carvalho (de 1959 a 1975), seguidamente com a Orfeu de Arnaldo Trindade (de 1976 a 1982), e, por fim com a EMI (1983 a 1985).

 


Um dos factos mais marcantes da história do Duo Ouro Negro, é a sua relação musical bastante abrangente com outros músicos e outras bandas. Inicialmente, começaram a trabalhar com o conhecido músico brasileiro Sivuca, de que o primeiro EP de 1959, (primeira imagem, com o fundo dourado), testemunha logo na contracapa. Uma excelente relação que iria perdurar durante anos e que o LP "Africaníssimo" de 1971 é também um testemunho. Não podemos, no entanto, desvalorizar outras parcerias, como foram com os maestros Joaquim Luis Gomes, Jorge Machado, o Thilo's Combo e o Conjunto Mistério, futuro embrião do Quarteto 1111. É também na década de 60 que se iniciam as digressões por vários países europeus e pelo continente americano (Argentina, Brasil, Canadá e Estados Unidos). É mesmo neste último país que o Duo Ouro Negro vai actuar no famoso programa televisivo, de Ed Sullivan Show, onde cinco anos antes se apresentaram os Beatles.
Durante a primeira metade da década de 70, o Duo esteve constantemente em digressão, não só nos locais já mencionados, mas também no continente asiático. Como grupo, foram por cá os campeões das participações no Festival TV da Canção (1967, 1969 e 1974) sem alcançarem a vitória. Por duas vezes obtiveram o segundo lugar, o primeiro conseguiram-no em 1968, no Brasil, ao participarem no II Festival Internacional de Música Pop do Rio de Janeiro.
Em boa verdade Raul Indipwo e Milo Mac Mahon nunca tiveram papas na língua ao afirmarem publicamente a existência dum certo ostracismo por parte da comunicação social e de algumas identidades do estado português. Afinal de contas as suas carreiras tiveram maior impacto no estrangeiro que em Portugal, só ultrapassados em popularidade pela grande Amália Rodrigues.
 


São muitos os registos do Duo Ouro Negro em disco ainda por contabilizar, (para cima duma centena), muitos deles foram mesmo regravados e editados em álbuns, tanto em Portugal como em editoras estrangeiras. No entanto, os mais conhecidos são "Mulowa Afrika", "Africaníssimo", "Blackground", "Lindeza!" e "Epopeia – Lamento do Rei". Este último, (derradeira imagem), editado em 1975, é um dos mais cobiçados pelos coleccionadores, pois tal como o seu homólogo no nome; "Epopeia" da Filarmónica Fraude, é um LP bastante raro. Como curiosidade, foram os próprios Raul e Milo quem "descobriram" a Filarmónica Fraude em 1968 e arranjaram o primeiro contacto com uma editora. Mas já que falamos de curiosidades, existe outra associada à discografia do Duo, mas na etiqueta Orfeu. Sem se perceber muito bem porquê, existem duas capas para o álbum "Lindeza!" de 1979. Uma normal com a fotografia do Duo empunhando as suas guitarras, e, outra edição para os guitarristas "canhotos"! E vá-se lá saber porquê!...
O que também sabemos de certeza é que o Duo Ouro Negro deixou um legado musical que muito prestigia a Música Popular Portuguesa, e, não terminamos sem referir um dos projectos mais ambiciosos da sua carreira, "Blackground". Um espectáculo apresentado em disco e ao vivo no Festival de Vilar de Mouros em 1971 e que contou com a participação do grupo Objectivo. Numa época em que muita música norte-americana não passava na comunicação social, ouvir "Blackground" foi como uma pedrada no charco da estagnação. Uma magnífica música de fusão, de R&B com Soul e Afro Funk, mas que, infelizmente, não teve o retorno comercial que bem merecia.


Resta-nos pois esperar que um dia, uma alma iluminada passe para o formato CD os álbuns já referidos, e, que seria um passo bem grande para disponibilizar toda a obra gravada do Duo Ouro Negro. E, até lá, são sempre bem vindos os tributos, como aconteceu em 2010 com o projecto Muxima.



Texto: Francisco J. Fonseca