Poucas instituições de serviço público (a nível mundial) poderão orgulhar-se de festejar neste ano de 2020 os seus 500 anos de existência. Tudo por obra e graça de um soberano, El-Rei Dom Manuel I de Portugal, a quem chamaram à época (e ainda hoje) O Venturoso, um rei de visões largas em muitos domínios do conhecimento e do reformismo (no bom sentido da palavra). A ele se deve pois a origem do correio em Portugal, baptizado à época como o Correio-Mor, um serviço régio que entrou em serviço em Novembro de 1520, faz precisamente este mês quinhentos anos.

Como tudo na vida, também o correio em Portugal evoluiu através do tempo (neste caso dos séculos) adaptando-se às exigências do serviço público e dando origem à modernização das antigas vias terrestres. Na verdade o transporte da correspondência do Reino era por vezes difícil face ao mau estado da maioria dos caminhos de ligação entre as povoações. A carruagem puxada a cavalo, foi, por assim dizer, o primeiro meio de transporte prático face ao crescimento desse serviço. A partir de 1800 introduziu-se um modelo inovador de cobrança, a balança, pois ao mesmo tempo que pesava as cartas indicava a taxa a pagar. Inicialmente indicava-se à mão a importância a cobrar, mais tarde institui-se os carimbos e seguidamente os selos. Foi pois a partir do século XIX que regulamentou-se em Lisboa a colocação dos primeiros receptáculos postais, dando lugar, um século depois, à proliferação dos populares marcos do correio.

É já a partir do século XX que surge o serviço do Correio Aéreo, um meio mais prático e rápido em relação ao transporte de correio marítimo, sobretudo para os territórios ultramarinos. É neste século que vulgariza-se o Bilhete Postal e duma variante que nos interessa retratar mais adiante, o Postal Disco. Começa de certo modo a proliferar uma cultura popular, um comércio específico e um modo de vida para muitos milhares de portuguesas. Expressões e palavras como telegrama, filatelia, carteiro, encomenda, correio expresso, pombo correio, casamento por correspondência e código postal são algumas das mais vulgares que ainda ouvimos correntemente. Muitas delas surgiram nos nossos ouvidos sobre forma de uma canção, casos de “Postal dos Correios”, um original de 1996 do grupo Rio Grande ou, “Marco do Correio”, um original de 1947 de Amadeu do Vale e Alberto Ribeiro e popularizado pelo próprio Alberto Ribeiro.



Muitos dos temas que versejam a temática da correspondência foram registados em disco há uns bons 100 anos, casos de “Carta das Trincheiras” de Alfredo Duarte Marceneiro, registado em 1928 por António Menano, assim como “Carta de Longe”, “Carta de 9 de Abril”, “Carta da Aldeia”, 3 outros fados gravados em 78rpm por Menano. Um ano depois, Maria Alice Carvalho gravou para a posteridade “Carta Para o Degredo” e já no início da década de 30, “Carta à Minha Mãezinha” por Manuel Monteiro. Mas muitos mais podemos referir, casos do popular “Fado da Carta” um original escrito em 1948 por João Nobre e Amadeu da Vale e interpretado por Fernanda Baptista, assim como “Uma Carta de Amor” de Belo Marques em 1954 e cantado por Maria Lourdes Resende. Da mesma artista há a referir o tema de Alves Coelho Filho, “Só Soube Escrever Saudade”, um tema também gravado no Brasil por Francisco José. São bastante ricas as décadas de 50 e 60 nesta temática, como são exemplos “As Tuas Cartas” gravado por Sérgio em 1957, “Só Falta Escrever na Lua” de Maria Manuela Silva em 1967, “Carta a Um Filho” de Miguel Silva, “Carta a Ângela” de Luis Cília, “Carta de Um Soldado”, “Carta da Saudade”, “Correio à Porta” todos estes 3 títulos por Irene Coelho, “Aquela Carta” por Isaura Gonçalves”, “Carta” por Deolinda Rodrigues, “O Carteiro” de António Mafra com uma deliciosa versão de Sérgio Godinho em 1986, “Carta da Maria” pelos Thilo’s Combo, “Bilhete Postal” por Ana Maria, “Carta Censurada”, “Quatro Cartas, Quatro Cores” ambas por Joaquim Pimentel, “Cartas” por Celeste Rodrigues e “Última Carta” por Alberto Ribeiro. Não será bem a última pois temos obrigatoriamente de mencionar “Cartas de Amor (Quem as Não Tem)”, um original de Alves Coelho Filho e editada em 1951 no formato 78rpm pela etiqueta Estoril com interpretação de Tony de Matos. Um sucesso da Música Popular Portuguesa que aparece em várias compilações nos formatos vinil e CD e também nas vozes de outros artistas, casos de Tristão da Silva, Francisco José e do Trio Odemira.



Num passado mais recente podemos apreciar o controverso Francisco Fanhais com “À Saída do Correio” assim como o fado “Rasguei a Tua Carta” de Dina Trindade, o fadista João Casanova com “Cartas de Amor Esquecidas” em 1977, o Conjunto Típico Os Marinheiros em 1975 com “Carta Extraviada”, “Mensagem” de Paco Bandeira em 1973, “Carta a Uma Mulher” de Victor Espadinha em 1980, “Correio” de Mário Viegas em 1972, "Assim Como um Postal Para o Canadá" de Sérgio Godinho em 1974, “Carta do Soldado” do Conjunto Típico Miradouro em 1972, “A Carta Perdida” de Deolinda Maria em 1971, “O Sobrescrito” do Rio Grande em 1996, “A Veces Llegan Cartas” de Paulo de Carvalho em 1973, “Old Letters” dos Silence 4 em 1998, “Carta de Saudade” do Conjunto Típico Rosa do Adro em 1972, “Pombo Correio” de António Ferreira em 1981, “A Carta Que Não Escreveste” de Rosa Maria em 1973, “Correio Azul” de Sérgio Godinho em 1997, “A Carta” de Samuel em 1979, “Carta a Miguel Djéje” de José Afonso em 1970, “Carta dum Contratado” de Fausto em 1989, "O Telegrama da Minha Sogra" de Artur Gonçalves em 1974, “Cada Dia São Cem (Carta ao Remetente)” de José Mário Branco em 1990 (todos os 9 temas do álbum “Correspondências” têm um endereço de cartas).





É na verdade extensa a lista de compositores e intérpretes relacionados com os correios que seria impossível enumera-los a todos sem prejuízo de ninguém. Mais fastidioso seria referir os títulos de artistas estrangeiros relacionados com a mesma temática. No entanto alguns são mesmo clássicos e seria imperdoável não mencionar o contagiante “Please Mr. Postman”, um original de 1961 celebrizado pelos Beatles e pelos Carpenters, “The Letter” um tema de 1967 gravado originalmente pelos Box Tops, “Telegram Sam” um original de 1972 dos T. Rex, "Ten O'Clock Postman (Bring Me Her Letter)" dos suecos Secret Service em 1980, e, porque não, a composição menos ouvida de Paul McCartney editada em 2012 (e a mais sugestiva para o assunto que nos trás aqui); “I'm Gonna Sit Right Down And Write Myself A Letter”.

Duns (portugueses) e doutros (estrangeiros) mostraremos algumas das capas de discos de vinil (lp’s e singles) que nos remetem para a temática. Por vezes são só os títulos que referem os correios, outras as próprias imagens das capas, outras vezes são as contracapas e, claro, até as duas coisas. Há, evidentemente, excepções e há também capas de cassetes, capas de livros, imagens frente / verso de alguns exemplares do Postal Disco e do Fonopostal, entre outras curiosidades (datadas e documentadas o melhor possível).

 

Edição original inglesa e alemã do álbum dos Brotherhood Of Man “Love And Kisses" e ”Save Your Kisses For Me", ambos editados em 1975. Capas diferentes, mas a temática dos correios mantem-se.
 

 

Capa e contracapa do LP “Oito Encomendas” do Conjunto Típico Torreense (CTT) em 1982. Na altura do Boom do Rock Português, a banda de Torres Vedras seguiu a estratégica de outros conjuntos nacionais utilizando as siglas como nome (GNR, TNT e UHF são outros exemplos). É, sem dúvida, a capa dum disco de vinil cujo grafismo está mais conotado com os nossos Correios.

 


 

Bárbara Bandeira, “Cartas”, mini-álbum no formato CD editado em 2018 pela Klasszik / Valentim de Carvalho. Inclui o êxito “A Última Carta”.




Bruce Springsteen, “Letter To You”, formato CD editado em 2020 pela Columbia / Sony Music.



Phil Collins, “Love Songs - A Compilation… Old and New”, formato double CD editado em 2004 pela Atlantic Records / WEA International.


 

  

Exemplos de cassetes relacionadas com os correios.



 

Exemplos de edições em discos de vinil cujos títulos estão relacionados com a temática dos correios.



 

Um dos mais célebres filmes relacionado com a temática dos correios. “O Carteiro de Pablo Neruda” foi um sucesso de bilheteira no nosso país em 1994, tendo como principais protagonistas os actores Philippe Noiret, Maria Grazia Cucinotta e Massimo Troisi (veria a falecer um dia após terminar as filmagens no seu papel de carteiro).




“Cartas de Amor, de Saudade, de Sedução”, uma especial edição de 1997 dos CTT - Correios de Portugal, em livro cartonado com 32 páginas ilustradas e uma cassete que inclui 16 temas clássicos da Música Popular Portuguesa relacionados com a temática.



 

Interessante artigo intitulado “Carteiros da Nossa Terra”, incluído na revista semanal ABC e datada de 15 de Junho de 1922. A capa da revista retrata o aviador Gago Coutinho (desenho de Martins Barata), que nesse ano realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul no hidroavião Lusitânia (vem uma referência à compra dum modelo do aparelho em cartão, para montar, pela módica quantia de 2.500 reis).





Capas de 5 exemplares da “Music On Stamps”, concebida por Sylvester Peat para a editora inglesa Picton Print entre 1971 a 1975. Uma colecção de revistas de 60 páginas profusamente ilustradas por edições de selos, da mesma temática, e oriundos dos mais diversos países do mundo.







Três exemplares de livros referentes à temática dos correios. Destaques para o autor de culto Charles Bukowski (parte da sua vida exerceu mesmo a profissão de carteiro) e J. Pires dos Santos, um autor português que redigiu em 1974 este precioso documento, “A Música na Filatelia”. Uma edição de autor não só com referências a autores estrangeiros mas também a compositores e músicos portugueses (Luísa Todi, Carlos Seixas e Duarte Lobo, entre outros).





 

Três raros exemplos dos populares Postaldisco; 2 de edição portuguesa e 1 de edição dinamarquesa.

 


 

Raro exemplar do Fonopostal, um serviço dos CTT que existiu durante alguns anos (entre as décadas de 50 e 60).





Texto de: Francisco J. Fonseca

Colaboração de: António Santos