Se há objectos de culto que mais depressa se identificam com os conturbados anos pós 25 de Abril, não há dúvida que os discos de vinil são os que mais depressa nos vêm à memória. aliás, tudo se desencadeou ao som de duas senhas musicais: “E Depois do Adeus” de Paulo de Carvalho e “Grândola Vila Morena” de José Afonso.
Haveria decerto um interessante inventário de quantas versões existem de “Grândola Vila Morena”, ou, quantas vezes o nome Abril surge em capas de discos. Tal e qual como aconteceu no Boom do “Ar de Rock” de 1980 em que “tudo” que tocava e cantava em português teve direito a umas horas de estúdio, também com a revolução dos cravos muitos grupos e intérpretes saíram do anonimato e gravaram um disco pela liberdade. Mas nem sempre a palavra Abril foi sinónimo de liberdade e da revolução dos cravos. Em 1949 o maestro Raul Ferrão escreveu um belíssimo tema que depressa se tornou um clássico não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo. Falamos obviamente de “Abril em Portugal” ou “Coimbra” como originalmente foi baptizada. A palavra Abril tornou-se a partir de 1960 como algo de mudança - Manuel Alegre foi o poeta responsável, quando escreveu “País de Abril”, poema que Luís Cília iria incluir no seu primeiro disco gravado no exílio em Paris, um EP denominado “Portugal Resiste”. Em 1975 foi Mário Viegas juntamente com José Luís Tinoco e José Niza que pegaram nas palavras do poeta e conceberam o LP “País de Abril”.
Foi pois a partir do dia 25 de Abril de 1974 que esta palavra teve um maior significado e foram dezenas de intérpretes que a utilizaram. Citando alguns exemplos menos conhecidos, temos Natércia Maria com “25 de Abril”, Fernando Martins com “País de Abril”, Banda de Monção com “Marcha 25 de Abril”, o Conjunto Típico Francisco de Sousa com “Abril de 1974”, Maciel Pescador com “O 25 de Abril” e o mais caricato disco para crianças cantado por crianças denominado “Natal de Abril” editado pela Metro-Som em 1976. Todos estes exemplos foram retirados de EP's ou Singles, que era aliás o formato mais popular em Portugal na década de 70.
Popular e que ficou para a história da música como um genuíno One Hit Wonder português, foi o da cantora Ermelinda Duarte com o single “Somos Livres” que andou perto das 100 mil unidades vendidas.
Mas não são só as capas pós 25 de Abril, que testemunham essa data histórica e que surgem em destaque nesta amostra. Vários discos comercializados antes de Abril de 1974 já sugeriam algo em mudança e isso é notório em determinadas edições. Uma das mais conseguidas remete-nos para uma colectânea editada pela Orfeu com temas de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Francisco Fanhais. O motivo das correntes misturadas no chão com as folhas velhas do Outono têm uma enorme carga ideológica e mesmo política para a época e é de louvar o arrojo do fotógrafo Fernando Aroso, seu autor. Outras edições eram as ditas clandestinas, como foram as editadas por organizações ou cantautores no exílio, casos de Luís Cília, Tino Flores e os Camaradas (provavelmente os nomes mais conhecidos).
Umas e outras aparecem aqui e vão fazer parte de uma grande mostra comemorativa dos 40 Anos do “25 de Abril”, patente na ESAG- Escola Secundária Almeida Garrett, Vila Nova de Gaia, entre os dias 21 de Abril a 2 de Maio. Quatro dias mais tarde, esta exposição vais ser de novo apresentada ao público, agora na Biblioteca Municipal de Gaia, onde estará até ao dia 17 de Maio.
O Covil do Vinil vai assim, pela primeira vez e em dose dúpla, participar num evento colectivo organizado pelo Clube de Coleccionadores de Gaia, dispondo parte do seu arquivo discográfico sobre este tema, com sujestivas capas de discos de vinil que vão de 1960 a 1990.
Texto de: Francisco J. Fonseca.